Jogue fora o guia
da Transilvânia, ou recalcule a rota no GPS para o pequeno vilarejo de Arefu,
no condado de Curtea de Arges, a cerca de 180 km de Bucareste, a capital
romena.
Foi lá que o Vlad
III Dracul, que era conde, mas fazia papel de príncipe, defendeu seu território
contra ataques do Império Otomano no século 15. Na época, ele era governador da
Valáquia, uma província que ocupava quase todo o sul da Romênia. Apesar de ter
resistido bravamente durante anos - o que evitou que os turcos avançassem por
aquela região da Europa - ele acabou derrotado pelos otomanos. Não sem antes
ter matado, de forma cruel, dezenas de milhares deles, e construído uma
reputação tão eterna quanto a pós-vida de um vampiro.
A lenda
Essa história de
sugar o sangue e a vitalidade dos outros é uma lenda velha, que existe desde a
Antiguidade. Não dá pra saber se algum dia a prática deixou de ser lenda. Se
depender de Vlad III, a mania de chupar sangue alheio continua fazendo parte da
ficção. Ele era cruel, é verdade. Mas sua prática favorita era o empalamento.
Funciona assim: você pega uma estaca de madeira de mais ou menos uns três
metros, introduz em posição vertical no ânus do seu inimigo e o assiste
deslizar lentamente estaca abaixo até a morte por horas. Ou dias. Muita gente
morreu desse jeito nas mãos de Vlad, inclusive conterrâneos que se viravam
contra a corte. A fama era tanta que o conde ganhou um sobrenome-apelido:
"Tepes"- literalmente "empalador", em romeno.
A crueldade do
conde, que seus inimigos políticos ajudaram a propagar, serviu de inspiração
para o escritor irlandês Bram Stoker. "Drácula" foi publicado
originalmente em 1897. E hoje, em número de publicações, só perde para a
Bíblia. Assim, mais de 400 anos depois de morrer, Vlad Tepes virou celebridade,
graças ao seu alterego literário.
Também entra na
conta de Bram Stoker a proeza de tornar famoso o Castelo de Bran, pequena
cidade localizada no estado da Transilvânia. Isso tudo sem o escritor jamais
ter posto os pés na Romênia. Mas o mérito da fama do castelo não é só dele. O
setor de turismo romeno aproveitou que a fortaleza, construída em 1211, era
parecida com a descrição de Stoker e a colocou na lista de sugestões para o
roteiro dos viajantes. Agora, todo ano, cerca de 700 mil turistas visitam o
local.
Agora, se Vlad III
já pisou no tal castelo, ninguém sabe. Embora a relações públicas do Castelo de
Bran, Alexandra Cojanu, garanta que ele tenha ficado pelo menos por 10 dias na
condição de prisioneiro do rei da Hungria, Mathias Corvino, não há nenhuma
prova da passagem do príncipe pelos aposentos palaciais. Aliás, a masmorra onde
ele supostamente ficou preso nem está aberta aos visitantes. Alexandra explica
que, justamente neste local, funciona o escritório onde ela trabalha. E a
entrada é proibida.
Drácula
A 125 km de Bran
está o vilarejo de Arefu. Lá está a Fortaleza de Poenari, que servia como ponto
estratégico de observação durante conflitos, e também como refúgio para o Conde
Vlad III. Diz a lenda que foi de uma das torres do castelo que a primeira
esposa se jogou. O episódio foi devidamente registrado no livro de Bram Stoker
e apareceu no filme Drácula (1992), de Francis Ford Coppola.
O castelo foi construído no começo do século 13 e ampliado
durante o governo de Vlad III, com a mão de obra de prisioneiros. Hoje, a
construção está em ruínas. Uma parte dela desmoronou no fim do século 19 e caiu
no leito do rio Arges, que corta a região. Mas o lugar guarda muita história.
Foi em Poenari que, depois de um poderoso ataque turco em 1462, Vlad teria
protagonizado uma de suas grandes escapadas. Uma passagem secreta ligava o
castelo a um caminho escondido entre as montanhas rumo ao norte do país. Com a
ajuda de moradores do vilarejo, o conde teria fugido por este túnel.
Aparentemente, não é de hoje que os romenos apoiam seu bravo herói.
Visitar as ruínas não é fácil. Os turistas precisam pagar 5
lei (o equivalente a cerca de R$ 3,70) e subir 1480 degraus. Mas vale o
esforço. Lá de cima, dá pra ter uma visão privilegiada das montanhas de
Cárpatos.
Vlad III passou os primeiros anos de sua infância em
Sighisoara e, em 1436, se mudou para a Târgoviste, capital do principado da
Valáquia, quando seu pai assumiu a liderança da província. Em 1442 sua história
mudou. Vlad III, então uma criança de 11 anos, e seu irmão mais novo, Radu,
foram entregues ao sultão otomano Murad II, como garantia de que seu pai, Vlad
II, iria "se comportar". Ou seja, os reféns garantiriam que Vlad pai
jamais bateria de frente com o Império Otomano. Com os turcos em Constantinopla
(hoje Istambul), Vlad III aprendeu a língua, costumes e, conforme garantem os
romenos, os hábitos cruéis. A acordo acabou em 1448, quando Vlad III foi
informado da morte do pai e do irmão mais velho, Mircea. Mas, a essa altura, já
fazia um ano que eles tinham sido assassinados pelos nobres da Valáquia, que
supostamente deveriam estar do mesmo lado de Vlad pai.
Com 17 anos, Vlad III deu início à série de guerras e lutas
que marcariam sua vida. Seu irmão, Radu, todavia, optou por ficar ao lado do
sultão, na Turquia. Determinado a recuperar o trono do pai, Vlad III retornou à
Romênia e tomou o principado da Valáquia em 1448. Mas demorou um bocado até
conseguir. Afastado do poder, ele juntou forças para, em 1456, aos 25 anos,
ganhar definitivamente o trono que pertencera ao pai. Desta vez, o sucesso foi
pleno (ele matou em batalha o então governante, Vladislav II) e comandou a
província por seis anos.
Foi neste período que Vlad III ganhou o apelido de
Empalador. O reinado do príncipe marcou um dos mais importantes momentos de
resistência contra os ataques do Império Otomano. É por isso que ele virou
herói nacional.
A glória não durou para sempre. Os recursos da Valáquia para
a guerra (que vinham do Império Húngaro) começaram a ficar mais escassos. Até
que não deu mais para segurar. Um ataque otomano tirou Drácula do poder. Sabe
quem estava no comando dessa investida? Radu, que passou a governar a região.
#GameOfThronesfeelings.
Vlad III não teve outra opção e fugiu para o Império
Húngaro, onde ficou preso por 12 anos. Mas o regime da detenção não era muito
rígido. Tanto que Vlad III se casou, teve filhos e chegou à condição de membro
da família real - tudo isso enquanto ainda era prisioneiro. Anos depois, quando
a moral do ex-príncipe já estava no alto e ele já não estava mais na lista de
"mais procurados" dos turcos, Vlad III decidiu reconquistar a
Valáquia pela terceira vez.
Ele contou com o apoio de forças húngaras e de seu primo, o
príncipe da Moldávia, Estevão.
Nessa época, Radu já tinha morrido, e quem
mandava na Valáquia era Bassarabe, o Velho. Quando Vlad III chegou lá, o
governante ficou tão assustado que preferiu fugir a encará-lo de frente. A
reconquista, portanto, deu certo.
Só que, no mesmo ano, Vlad III morreu misteriosamente. Ele
tinha 45 anos. Enquanto parte dos historiadores diz que ele morreu em batalha
contra os turcos (que estavam tentando recolocar Bassarabe no poder), outra
leva sustenta que ele sucumbiu numa emboscada armada pelos burgueses
descontentes de seu próprio reino, assim como tinha acontecido com seu pai.
Os restos mortais do conde também geram discussões. Há quem
garanta que eles estejam na ilha de Snagov, a cerca de 30 km da capital
Bucareste. Mas já tentaram examinar uma ossada encontrada por lá e,
aparentemente, não era a dele. Outros dizem que a cabeça de Vlad III, separada
de seu corpo, teria sido levada pelos turcos a Constantinopla, como prova de
sua morte. Nessa história, que tem capítulos mais mirabolantes do que qualquer
saga de ficção, esse parece ser um final mais plausível. Ou a gente pode
simplesmente acreditar que ele se desfez em poeira, como diz a versão de Bram
Stoker.
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